Vinhos de Altitude de Santa Catarina: nova Indicação Geográfica na região mais fria do Brasil
Vinhos finos, nobres, licorosos, espumantes – natural e moscatel, e brandy são os tipos de produtos que poderão receber o selo da mais nova indicação geográfica de vinhos do Brasil, a IP Vinhos de Altitude de Santa Catarina. Os produtos serão elaborados com uvas produzidas em regiões de altitude, concentradas entre 900 e 1.400m no estado catarinense. O pedido foi solicitado pela Associação Vinho de Altitude – Produtores & Associados, em 2 de junho de 2020, e o reconhecimento foi publicado pelo INPI na Revista da Propriedade Industrial (RPI) 2634, de 29 de junho de 2021.
Para Humberto Conti, presidente da Associação Vinho de Altitude – Produtores & Associados e proprietário da Vinícola Villagio Conti, além de garantir a qualidade dos vinhos, a indicação geográfica servirá como um grande incentivo para investimentos na região. “Acredito que o selo irá estimular as atuais vinícolas associadas a expandirem os seus vinhedos e trará novos empreendedores, não só para novas vinícolas, mas também para outras atividades, como o turismo”, avalia.
Conti destaca que as ações foram coordenadas pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), através do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (Ciram), Estações Experimentais de Videira e de São Joaquim, e que contou com a parceria da Vinho de Altitude — Produtores e Associados, Embrapa Uva e Vinho, Sebrae/SC, Secretaria de Estado da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural(SAR), Prefeitura de São Joaquim e Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC).
José Eduardo Bassetti, proprietário da Villagio Bassetti que esteve por duas vezes na presidência da associação, foi um dos grandes incentivadores na busca da indicação geográfica para atestar a qualidade dos vinhos de altitude de Santa Catarina. Ele esteve à frente da primeira associação de produtores – a Acavitis, que teve a iniciativa de registrar a Marca Coletiva, mas que, na sua avaliação, não foi apropriada pelos produtores. Em 2018, quando assumiu a presidência da atual Associação Vinho de Altitude, procurou a Embrapa, decidido a conquistar a Indicação Geográfica.
“Foi nesse momento que a equipe da Embrapa Uva e Vinho auxiliou na elaboração de um plano estratégico, com base nas suas experiências anteriores. O resultado é que conseguimos reconhecer a IP em tempo recorde”, celebra. Para Bassetti, um ponto alto foi a realização ao longo dos dois últimos anos de uma intensa agenda de reuniões técnicas bem focadas pela manhã, já com a votação das decisões na assembleia dos produtores no turno da tarde. Ele destaca que esse formato também permitiu um aprendizado com as questões técnicas, possibilitando a sua participação no grupo que irá sugerir a equiparação da lei brasileira à legislação relacionada à temática das Indicações Geográficas em nível internacional, no grupo temático da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Viticultura, Vinhos e Derivados.
“Esta é a nona indicação geográfica reconhecida de vinhos brasileiros, chegando aos diferentes estados produtores do país. É uma conquista que deve ser celebrada por todos os brasileiros, pois são verdadeiros patrimônios nacionais sendo protegidos, visto que cada IG é única e expressa o trabalho criativo da coletividade de produtores de vinhos de territórios delimitados”, pontua Jorge Tonietto, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho e referência no tema das indicações geográficas no Brasil, principalmente quando se trata dos vinhos. Ao longo dos diferentes processos, incluindo os Vinhos de Altitude de Santa Catarina, o pesquisador foi fundamental na orientação das metodologias para a estruturação da IG, bem como na coordenação dos trabalhos de elaboração do Caderno de Especificação Técnica e do Plano de Controle, internalizando a experiência acumulada pela equipe da Embrapa desde a primeira Indicação Geográfica brasileira – Vale dos Vinhedos, em 2002.
Já o pesquisador José Fernando da Silva Protas, também da Embrapa Uva e Vinho, celebra de forma especial esta conquista, pois esteve presente desde o início do projeto, em 2007, auxiliando a entidade a agregar os produtores dos vinhos de altitude de Santa Catarina, na Associação Catarinense de Produtores de Vinhos Finos de Altitude (Acavitis), atual Vinho de Altitude — Produtores & Associados. “Foi uma longa caminhada apoiando o avanço da vitivinicultura na região, através da realização de Seminários Técnicos, visitas e consultorias. Como resultados, em 2013, foi obtida a Marca Coletiva, e agora a Indicação Geográfica”.
Cristina Pandolfo é pesquisadora da Epagri/Ciram e liderou o projeto de pesquisa que reuniu uma equipe multidisciplinar composta por 33 pesquisadores e técnicos de diferentes áreas e instituições, 19 deles da própria Epagri, que foram responsáveis pelo levantamento e organização de dados técnico-científicos da nova Indicação Geográfica. Ela conta que as informações levantadas ao longo do projeto, envolvendo clima, solo, paisagem, aspectos socioeconômicos, descrição do potencial enológico dos vinhos e muitas outras são tão completas que foram reunidas na publicação: “Vinhos de Altitude de Santa Catarina: caracterização da região produtora, indicadores e instrumentos para proposição de uma indicação geográfica”, disponível gratuitamente no site da entidade.
“As informações publicadas subsidiaram a conquista da IG, mas esperamos que elas também sejam exploradas pelo setor produtivo. Existem outros elementos que poderão, por exemplo, ser utilizados para estruturar a Denominação de Origem para os Vinhos de Altitude”, antecipa. A publicação foi resultado do trabalho das equipes da Epagri, Embrapa Uva e Vinho e Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC).
Segundo Alan Claumann, analista do Sebrae/SC, a entidade participou da co-construção da Indicação Geográfica dos Vinhos de Altitude de Santa Catarina como parte de uma estratégia maior de Desenvolvimento Territorial. Ele comenta que foram utilizados princípios de metodologia francesa de desenvolvimento de territórios, denominada “Cesta de Bens e Serviços Territoriais” – trazida ao Brasil pelo Laboratório de Estudos da Multifuncionalidade Agrícola e do Território (LEMATE) da UFSC, que busca revelar, organizar e promover de forma conjunta os principais recursos e ativos de uma região, especialmente os específicos, ou seja, àqueles que não podem ser reproduzidos em outro local com os mesmos atributos qualitativos impressos pelo território. “Com essa metodologia, os vinhos de altitude de SC foram um dos três produtos âncora selecionados para promover o desenvolvimento da Serra Catarina de forma sustentável e inclusiva”, pontua. Dos produtos trabalhados, esses vinhos foram os primeiros a receber o reconhecimento como IG pelo INPI. Outros produtos da região – maçã e mel, estão em análise pelo Instituto.
“É mais uma região vitivinícola brasileira que recebe o reconhecimento dos seus produtos com uma importante colaboração da Embrapa. A Embrapa tem interesse em ampliar essa parceria com os produtores para o desenvolvimento de novas tecnologias que agreguem valor a esse novo terroir bem como ampliar o estabelecimento de novas IGs no Brasil”, pontuou Adeliano Cargnin, chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho.
A nova Indicação Geográfica
A área geográfica da IP Vinhos de Altitude de Santa Catarina abrange 29 municípios que correspondem a 20% da área do estado catarinense: Água Doce, Anitápolis, Arroio Trinta, Bom Jardim da Serra, Bom Retiro, Brunópolis, Caçador, Campo Belo do Sul, Capão Alto, Cerro Negro, Curitibanos, Fraiburgo, Frei Rogério, Iomerê, Lages, Macieira, Painel, Pinheiro Preto, Rancho Queimado, Rio das Antas, Salto Veloso, São Joaquim, São José do Cerrito, Tangará, Treze Tílias, Urubici, Urupema, Vargem Bonita e Videira.
Atualmente são aproximadamente 300 hectares de área cultivada, concentradas entre 900 e 1400 metros de altitude, na região vitivinícola de maior altitude e mais fria do Brasil. Do ponto de vista sensorial, os vinhos da IP irão enriquecer ainda mais a paleta de cores e sabores dos vinhos brasileiros. “São muitas as regiões no mundo tradicionais produtoras de maçãs de qualidade que também produzem vinhos diferenciados, como é o caso de regiões da Nova Zelândia, sul da Argentina e estado de Washington, que fica no noroeste dos Estados Unidos. Agora, o Estado de Santa Catarina vem a se somar a essas regiões”, pontua Mauro Zanus, pesquisador da área de enologia da Embrapa Uva e Vinho.
Ele complementa que a paisagem, o solo, o relevo e o clima particular da região de altitude favorecem a biossíntese dos pigmentos e dos aromas, preservando a acidez e atribuindo estrutura e corpo aos vinhos, permitindo a expressão plena da genética de cada variedade de uva. Os vinhos da região têm sua qualidade atribuída, também, ao elevado nível tecnológico empregado nos vinhedos e nas vinícolas. “São vinhos com uma excelente expressão de sabor e elevada tipicidade – , de fato, vinhos com um sentido de lugar, avalia Zanus.
Variedades autorizadas: estão aprovadas para produção dos vinhos da IP as variedades finas (Vitis vinifera L.) Aglianico, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Garganega, Gewurztraminer, Grechetto, Malbec, Marselan, Merlot, Montepulciano, Moscato Bianco, Moscato Giallo, Nero d’Avola, Petit Verdot, Pignolo, Pinot Noir, Rebo, Refosco dal Peduncolo Rosso, Ribolla Gialla, Rondinella, Sangiovese, Sauvignon Blanc, Sémillon, Syrah, Touriga Nacional e Vermentino.
Diversos requisitos de produção fazem parte do Caderno de Especificações Técnicas da IP. Dentre eles, destaca-se que 100% das uvas devem ser produzidas na área delimitada, em áreas de altitude. Os sistemas de condução autorizados para os vinhedos são a espaldeira e o Ýpsilon, sendo que a produtividade máxima permitida é de 7000 L de vinho por hectare/ano. Para a vinificação, as uvas devem atingir níveis de maturação definidos por tipo de vinho, os quais, por sua vez, devem ser elaborados na área delimitada pelos municípios integrantes da IP. Os vinhos atendem padrões analíticos de qualidade, próprios da IP, e devem ter a qualidade sensorial aprovada em degustação realizada às cegas; a rotulagem que facilita a identificação pelo consumidor, incluindo um selo de controle numerado exclusivo da IP, controlado pelo Conselho Regulador através da aplicação de um Plano de Controle que possibilita atestar a conformidade dos produtos em relação aos requisitos de produção.